Para André Marsiglia, a decisão da Corte mantém poder concentrado em Moraes e pode servir como ameaça à liberdade de expressão nas eleições de 2026
O anúncio do ministro Alexandre de Moraes, nesta quarta-feira, 5, de que a Polícia Federal (PF) abrirá um inquérito para investigar o crime organizado no Rio de Janeiro (RJ) levantou críticas no meio jurídico. Para o professor de Direito Constitucional e especialista em liberdade de expressão André Marsiglia, a medida representa um novo desvio de função do Supremo Tribunal Federal (STF).
Marsiglia afirma que Moraes “sabe que, depois da nomeação de um novo ministro pelo presidente Lula, terá de devolver a ele a relatoria da ADPF das Favelas, hoje sob sua condução provisória”. ADPF é a sigla para Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Foi essa ação que levou ao Supremo o debate sobre a atuação das forças de segurança em favelas do Rio de Janeiro.
Nesse contexto, Marsiglia avalia que “a criação de um novo inquérito funcionaria como mecanismo para manter Moraes no comando das decisões sobre segurança pública”.
A decisão de Moraes foi anunciada durante audiência pública sobre segurança no Rio. Na ocasião, o ministro afirmou que o objetivo é atingir as estruturas financeiras das facções e milícias. Além disso, vai investigar supostos abusos nas operações policiais.
Inquérito no RJ pode ser pretexto de Moraes para censura
Ainda segundo o analista jurídico, o novo inquérito tem potencial para se transformar em “um novo inquérito do fim do mundo”. Como o tema da segurança pública deve estar no centro das eleições de 2026, Marsiglia argumenta que uma investigação permanente pode servir como “instrumento de controle do debate público e político do país”, operando também como “mecanismo de censura à imprensa e às redes”.
O professor critica ainda o papel do STF ao determinar a abertura de investigações. “Quem deveria instaurar ou determinar a instauração de inquérito é a polícia ou o Ministério Público”, afirmou. Para ele, a Corte “naturaliza um desvio iniciado no Inquérito 4.781 (das Fake News), no qual passou a assumir funções investigatórias que constitucionalmente não lhe cabem”.
STF distorce função da investigação
Marsiglia considera inconstitucional a ideia de uma investigação sem prazo nem objeto definidos. “Não deveria existir ‘inquérito permanente’”, afirma. “Todo inquérito tem uma finalidade específica: investigar um fato determinado. Torná-lo permanente perverte essa finalidade e converte a investigação em instrumento de constrangimento contínuo, não de apuração.”
O jurista também lembrou que há jurisprudência do próprio STF segundo a qual “decisões monocráticas de ministros tomadas em inquérito não são recorríveis”. Por essa razão, afirma, “tudo no STF nasce e permanece sob a natureza de inquérito”, o que, na visão dele, amplia o poder individual de ministros e dificulta o controle das decisões.