“Estado precisa fazer ocupação permanente nas favelas”, diz fundador do Bope

Foto: Reprodução.

Responsável por criar o grupo que deu origem ao Batalhão de Operações Especiais (Bope) do Rio de Janeiro, o coronel aposentado da Polícia Militar (PM) Paulo César Amêndola, 74 anos, defende a ocupação permanente das favelas, seja pelo governo do estado ou pelo governo federal, diante do crescimento da criminalidade e da necessidade de combater o tráfico de drogas que assola o estado fluminense.

Com a acentuação da violência no mês de outubro, o estado do Rio de Janeiro voltou ao foco do noticiário por registrar o assassinato de três médicos em um quiosque na Barra da Tijuca, na capital, e a incineração de 35 ônibus e de um trem pela milícia em represália à morte de um de seus líderes em confronto com a polícia.

” É a ocupação permanente do Estado que impedirá que muitas coisas ocorram, como o tráfico de armas e drogas. Essa foi a ideia original das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora): uma ocupação permanente nas favelas. Se não houver, é enxugar gelo”, diz o ex-secretário municipal de Ordem Pública do Rio de Janeiro.

Amêndola também ressaltou que os municípios possuem um papel fundamental no combate ao tráfico de drogas no estado. Por estarem perto do cidadão, ele as cidades possuem mais informações sobre a situação local e podem contribuir com o estado e a União para o enfrentamento a grupos criminosos.

“Quem está mais perto do cidadão, daqueles que sofrem com a insegurança? Os municípios. Dentro da favela da Maré há diversas escolas municipais. Ou seja, funcionários públicos que sabem o que está acontecendo. O município sabe das coisas. Mesmo não tendo uma polícia, ele pode encaminhar isso para o órgão do estado. A questão é que isso precisa ser feito com mais vigor”, argumenta o policial militar aposentado.

Confira a entrevista na íntegra.

Até que ponto a GLO dos Portos e Aeroportos, decretada pelo governo federal, pode ser efetiva contra o tráfico internacional?

Amêndola: Essa medidas que estão sendo adotadas vem para atuar nos efeitos dos problemas. A questão é que a atuação nos efeitos não é duradoura e permanente. A tropa vem, fica alguns meses, resolve ostensivamente alguma coisa nos locais em que atua, e depois vai embora. Ou seja, as causas, os motivos que provocam os crimes não são tratados. É preciso fazer um trabalho de prevenção, como a presença ostensiva da polícia. Esse trabalho faz com que os delinquentes não atuem. As autoridades sabem perfeitamente quais são as causas dessa situação. Outra coisa a se falar é que [elas] precisam dar sua participação.

No caso da GLO do Mar, a presença da Marinha pode efetivamente fazer diferença na contenção do tráfico de drogas?

Amendola: Não levo fé que isso irá resolver porque isso é temporário. A Marinha tem suas missões próprias e são importantes, mas ela desloca os seus efetivos para um apoio suplementar em um período curto. Eu não posso afirmar, apesar do efetivo ser bem estruturado, que eles estão perfeitamente capacitados para atuar no campo da Segurança Pública.

A fiscalização do local onde se dá o trânsito das drogas depende de um trabalho minucioso de inteligência, o que a Marinha tem. Mas não acredito que ela irá mobilizar esse contingente para um trabalho mais intenso. Não é o tipo de missão que está no fluxo do dia a dia da Marinha.

A Máfia dos Transportes e o cigarro contrabandeado do Paraguai são componentes importantes no financiamento do crime no Rio de Janeiro, dando mais receita do que o tráfico de drogas. Podemos dizer que é preciso intensificar o combate a essas práticas?

Amêndola: Não só combater o que vem do Paraguai, mas também o que vem dos países que fazem fronteira com o Brasil. A fiscalização cerrada das fronteiras vai impedir muito contrabando de armas e drogas, evidentemente. Mas a nossa fronteira é uma imensidão. Não há efetivo suficiente para manter uma vigilância permanente. Nem nos pontos considerados críticos de entrada de contrabandistas. Tem que ser 24h por dia, sete das por semana e 30 dias no mês. Só que isso é impraticável.

Outro aspecto é a corrupção dos agentes de segurança, que os órgãos aos quais eles pertencem têm todo interesse em debelar isso, mas é necessária uma dureza mais forte em cima de agentes que proporcionam a passagem de materiais que não podem entrar no país. A parte do transporte, é preciso de um rigor maior, especialmente o transporte rodoviário e ferroviário – o que ninguém comenta.

Algumas ferrovias nossas passam por alguns países próximos e não há qualquer tipo de policiamento. Com certeza ali passa armamento e drogas. Com a desativação da Polícia Ferroviária Federal, que prestava um excelente serviço, não há fiscalização. Se houver essa integração entre a Polícia Rodoviária e uma Polícia Ferroviária, com certeza ficará mais difícil para a droga entrar no país.

Quarenta anos atrás, o então governador do Rio Leonel Brizola restringiu as operações policiais nas favelas do Rio. Após isso, o estado viu a criminalidade disparar. Podemos dizer que essa decisão fortaleceu a criminalidade?

Amêndola: Eu estava na ativa quando isso aconteceu. Quando se toma esse tipo de decisão, é o mesmo que dar uma carta branca para que a criminalidade se perpetue. Ele [Brizola] impediu a polícia de cumprir o papel da polícia de prender bandido, de apreender armamento, drogas etc. Os números [da violência na época] não mentem.

Na medida que há uma decisão política impedindo que a polícia cumpra o que a lei manda cumprir, podemos entender que o governo do estado está deixando campo para que a marginalidade aumente seu grau de ousadia e cumpra suas missões criminosas como se houvesse aval do governo. Não se pode ter terreno liberado no estado para ninguém cometer crime.

E hoje temos a ADPF 635, no STF, que repete o que houve no passado.

Amêndola: É o mesmo filme, só que com o apoio de Brasília. Tudo foi provocado por um partido político. Na medida que há uma tolerância dos bons, há uma audácia dos maus.

O domínio do tráfico mostra o problema da territorialidade no Rio. O Estado não consegue ocupar essas áreas e a população fica à mercê. Como resolver isso?

Amêndola: A questão não é muito fácil de resolver. Houve uma leniência do campo político muito grande, e até conivência, permitindo a ocupação de solo urbano. A primeira entidade federativa que deve cuidar disso é o município. “A fiscalização da ocupação do solo urbano é de competência do município” – está previsto na constituição. Claro, em certas situações é dever do governo do estado. Como o prefeito não tem a polícia municipal armada, ele não pode impedir a ocupação. Mas ele pode pedir apoio ao estado. Ocorre que muitas vezes isso não foi atendido e as favelas cresceram.

Mas volto a dizer: É a ocupação permanente do Estado que impedirá que muitas coisas ocorram, como o tráfico de armas e drogas. Essa foi a ideia original das UPPs (Unidades de Polícia Pacificadora): uma ocupação permanente nas favelas. Se não houver, é enxugar gelo.

Em outubro tivemos o roubo de armas do Exército. Sendo equipamentos de alto calibre, o que aconteceria se essas armas estivessem em posse do crime organizado?

Amêndola: Uma coisa é ter armamento, outra coisa é ter munição. Não tenho notícias sobre a entrada de munições pesadas no país. É o tipo de munição que não se faz na favela. Sem munição, a arma se torna imprestável. O mal que eles iriam causar, com pouca munição e com a inteligência do Exército atrás, iria ser pouco.

No debate sobre o que é melhor para a Segurança Pública, existe o discurso defendido pela esquerda que prega a desmilitarização da Polícia Militar. No atual cenário, isso não vai na contramão do que a segurança do Rio precisa?

Amêndola: Isso é uma balela. Se a polícia não tiver os princípios basilares que orientam o militarismo, não vai funcionar bem. O homem que veste um uniforme e coloca uma arma na cintura precisa ter uma postura marcial. Ele não pode ser um vagabundo. Ele precisa passar segurança para a população. Pessoalmente falando, não é o regime militar que transmite a segurança, mas são determinados valores e atributos impostos na carreira militar que são importantes.

Por exemplo: existe no Rio de Janeiro a Coordenadoria de Recursos Especiais (Core). Ela atua uniformizada, como se fosse militar. Eles, enquanto policiais civis, elegeram o enquadramento militar, a postura militar. Eles entenderam que se não houvesse essa disciplina, não seriam a unidade de elite que são.

Como os municípios podem atuar nesse combate ao crime organizado?

Amêndola: Eu tenho a teoria que cada um deve proteger seu quintal: União, estados e municípios. Cada um precisa buscar suas forças de segurança disponíveis para proteger sua região. Mas, ao mesmo tempo, precisa haver uma boa articulação entre as entidades federativas e entre os poderes: Legislativo, Executivo e Judiciário. Quem está mais perto do cidadão, daqueles que sofrem com a insegurança? Os municípios.

Por exemplo: dentro da favela da Maré há diversas escolas municipais. Ou seja, funcionários públicos que sabem o que está acontecendo. O município sabe das coisas. Mesmo não tendo uma polícia, ele pode encaminhar isso para o órgão do estado. A questão é que isso precisa ser feito com mais vigor. Se houver uma articulação entre municípios e estados sobre essas informações – que só os municípios sabem -, as coisas funcionam.

 

Créditos: Gazeta do Povo.



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