A Igreja Católica condenou Galileu Galilei por heresia em 1633, após uma batalha de quase 20 anos entre o astrônomo italiano e o Vaticano.
Mas a descoberta de um documento mostra como o famoso astrônomo, matemático e físico modificou um texto que ele mesmo tinha escrito para tentar evitar um confronto com a Igreja.
Isto é confirmado por uma carta assinada por “G.G.”, segundo o pesquisador Salvatore Ricciardo, da Universidade de Bérgamo, na Itália, que encontrou o documento nos arquivos da Royal Society of London – sociedade científica fundada no século 17 e sediada na capital inglesa – em agosto.
A carta, que contém rasuras e correções, foi escrita e alterada pelo próprio Galilei entre 1613 e 1615, assegura Ricciardo.
Em uma primeira versão dos escritos, o físico combate a doutrina geocêntrica. Ditada pela Igreja Católica, ela pregava que o Sol girava em torno da Terra, e não o contrário, como se confirmou posteriormente.
Em uma versão posterior, Galilei suaviza suas afirmações.
Os historiadores acreditavam que a carta havia desaparecido, mas para Ricciardo, ela esteve o tempo todo no catálogo da Royal Society – arquivada, porém, em um lugar errado.
Duas cópias
Galilei escreveu a missiva a seu amigo Benedetto Castelli, matemático da Universidade de Pisa, na Itália, em 21 de dezembro de 1613.
Em um artigo sobre a descoberta de Ricciardo, a revista Nature diz que, no documento, Galilei “expõe pela primeira vez seus argumentos de que a pesquisa científica deve estar livre da doutrina teológica”.
“Isso causou uma tormenta”, diz a publicação.
Galileu já havia apoiado publicamente a teoria do astrônomo polonês Nicolau Copérnico de que o Sol estava no centro do Sistema Solar.
Numa época em que a maioria das pessoas acreditava que a Terra era o centro do universo, essa nova hipótese era revolucionária – mas também problemática.
Os historiadores sabiam que Castelli havia devolvido a carta a Galileu, segundo a Nature, mas não tinham conhecimento sobre o destino da carta depois disso.
Os historiadores sabiam, entretanto, que havia uma cópia da carta que caiu nas mãos do frade dominicano Niccolò Lorini, que a enviou ao Vaticano em 7 de fevereiro de 1615.
Esta versão está no Arquivo Secreto do Vaticano até hoje.
Versão corrigida
Dias depois de Lorini ter enviado a carta transgressora ao Vaticano, Galilei escreveu ao clérigo Piero Dini, em 16 de fevereiro de 1615, dizendo-lhe que a versão nas mãos da hierarquia da Igreja poderia ter sido alterada.
Galileu anexou a Dini uma versão maios branda da primeira carta, assegurando-lhe que esta era a correta e pedindo que ela fosse enviada aos membros do Vaticano.
Até agora, os pesquisadores não sabiam até que ponto a cópia de Lorini teria sido “alterada”.
Mas, de acordo com a descoberta de Ricciardo, Galilei teria escrito os dois textos.
“Sob rasuras e correções, a cópia descoberta por Ricciardo mostra o texto original de Galileu, e é igual à versão de Lorini”, diz a Nature.
Na versão de Lorini, o físico italiano diz que algumas afirmações na Bíblia “são falsas se alguém é guiado pelo significado literal das palavras”.
Na versão suavizada, Galilei riscou a palavra “falsas” e a substituiu por “distintas da verdade”.
“A carta de sete páginas fornece a mais forte evidência até agora de que Galileu estava ativamente envolvido no controle de danos (de divulgar suas idéias) e tentou espalhar uma versão atenuada de suas afirmações”, diz o texto no site da Nature.
Autor verdadeiro?
Ricciardo, em parceria com os pesquisadores Franco Giudice, da Universidade de Bérgamo, e Michele Camerota, da Universidade de Cagliari, compararam o manuscrito com outros que o astrônomo italiano escreveu na mesma época e confirmaram que a versão original também pertence a ele.
“No começo, pensei que poderia ser uma cópia, não uma carta original (…) Mas, quando analisamos, percebemos que realmente era a letra de Galileu”, disse Ricciardo ao jornal L’Eco di Bergamo.
A Royal Society confirmou à BBC World que a carta seria de Galileu Galilei.
Ricciardo publicará um artigo científico sobre suas descobertas em breve.
A Nature adverte que alguns historiadores se recusaram a comentar a descoberta antes de ver este artigo, mas cita Allan Chapman, um historiador da ciência da Universidade de Oxford, no Reino Unido, elogiando o achado.
“É tão valioso que nos permitirá obter novos conhecimentos sobre este período crítico (da vida de Galilei e do século 17)”, disse à revista.
Em 1632, Galileu publicou o livro Diálogo Sobre os Dois Máximos Sistemas do Mundo Ptolomaico e Copernicano, no qual apresentou os argumentos favoráveis e contrários à teoria heliocêntrica, na forma de uma discussão entre dois personagens.
A Inquisição então convocou o físico a Roma e finalmente o condenou, em 1633, à prisão domiciliar por heresia.
O cientista passou os últimos anos de sua vida sem sair de casa, até sua morte, em 1642.
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